Uma garota de 17 anos enforcou-se
com um fio elétrico. Uma garota com alguns anos a menos que eu. Isso já me
chocaria por si só. Eu continuo indo à faculdade, vendo meus amigos, rindo e
tomando cerveja no bar. Uma garota de 17 anos deu por encerrada sua própria
vida, sem nem ter vivido ainda. Ela só exercia a liberdade do início da sua
vida sexual e alguém se achou no direito de expô-la como um pedaço de carne
numa vitrine de açougue. Uns acharam suculenta, outros acharam gorda demais.
Julgamentos "suicidaram" uma garota, de novo. No Piauí, em Porto
Alegre, a todo instante, do Oiapoque ao Chuí, literalmente. E a culpa, é de
quem?
Se ela tivesse usado como
arma um revólver, poderia dizer que cada um de nós puxou um pouco do gatilho.
Eu puxei aquele fio, quando presenciei atitudes machistas e discriminatórias,
quando sofri com o machismo e o preconceito, e não tive reação alguma. Pais e
mães que criam seus filhos segundo o velho e triste padrão machista da
sociedade puxaram um pouco mais do fio. A sociedade, tão perversa e estúpida,
que costuma culpabilizar a vitima e ignorar o verdadeiro criminoso, deu o golpe
final.
Talvez (e muito provavelmente)
os próprios pais dessas garotas as criavam para serem "mulheres
dignas" que "se davam ao respeito". Talvez eles só quisessem que
elas estudassem, crescessem, se casassem, tivessem filhos e vivessem uma vida
normal. Eu os entendo! Entendo que ninguém quer perturbar a ordem, sair do
eixo. Imagino o quão difícil deve ser para um pai falar para o filho que ele
deve respeitar a mulher, acima do seu tal "instinto animal" e para
uma mãe ensinar a filha que ela pode sim fazer o que quiser com seu corpo e sua
vida, pois estes lhes pertencem. Eu entendo perfeitamente. A culpa não é deles,
não. A culpa é de todos nós, que ajudamos, geração após geração, a manter um
padrão estigmatizador de sociedade, que julga e exclui quem tenta subvertê-lo.
Ninguém quer um filho subversivo. Ninguém quer sua joia mais preciosa sendo
cuspida por aí.
Aliás, me desculpem pela
repetição de termos relacionados ao machismo. Se não quiserem chamar de
machismo, não chamem. Chamem de preconceito, chamem de violência, chamem de
assassinato. Como quiserem! Sim, é violência. O que as mulheres sofrem todos os
dias nos transportes públicos, nos dias de calor ao andarem com roupas menores,
nas redes sociais ao se exporem (é um direito delas, se quiserem) ou serem
expostas involuntariamente, é tudo violência. E da mais cruel possível. Você se
acha menos culpado, só por não ter "curtido", compartilhado ou
comentado naquela foto ou vídeo? Não se iluda! Se em algum momento da sua vida
você já fez ou riu de uma piada machista. Se em algum momento você já se
submeteu passivamente a uma situação opressora. Se em algum momento você já
"fez vista grossa" para qualquer uma dessas violências... Você também
é culpado (a). Eu também. Você também puxou um pouquinho daquele fio. Nós
puxamos.